21 de fev. de 2010

Rafael Kiso e a nova realidade empresarial: a web 2.0 e as redes sociais

Conte um pouco da sua formação até a abertura da Focusnetworks.


No início da Focus, tanto eu como o William, meu irmão e sócio, tínhamos trabalhos paralelos em outras empresas, e começamos a pesquisa em internet como um hobby. Eu trabalhava no Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento, em São José dos Campos, e lá tive o primeiro o contato, através da Universidade do Vale do Paraíba, com internet, já que era uma época em que ela era bem restrita a universidades e centros de pesquisas. Foi lá onde comecei a fazer toda essa evolução no conhecimento sobre internet e programação.

A minha formação era em colégio técnico, em processamento de dados, e depois fiz um tecnólogo em engenharia de telecomunicações, junto com a Universidade do Vale do Paraíba e a Ericsson, já que a empresa tinha uma fábrica no Vale do Paraíba. De lá fui para o Banco Itaú, já como consultor da Focus. Já tínhamos a empresa aberta para consultoria, mas foi com o Itaú, nosso primeiro grande cliente, que comecei a me dedicar mais para a Focus, como consultor. Fiquei por quase dois anos no Itaú, trabalhando com o projeto dos sistemas online do banco; adquiri bastante experiência técnica e também profissional, e então começaram a surgir alguns serviços paralelos pela Focus, como portais para associadas da Rede Globo. Naquela época, eu saía do Itaú e continuava o trabalho para as outras empresas, até que chegou uma hora em que não podíamos mais fazer trabalhos paralelos, eu precisava ter foco, mesmo porque estava tudo muito em cima das minhas costas. Então começamos a expandir e tomamos a decisão de realmente profissionalizar a empresa, contratar mais pessoas e montar realmente o escritório. A partir daí, fiz um negócio com o Itaú de deixar de trabalhar no banco, mas colocar dois funcionários da Focus no meu lugar. Hoje, temos uma equipe de 32 pessoas exclusivas para o Banco, ainda nosso maior cliente.

Originalmente, éramos mais especializados em sistemas para a web, porque nossa proposta de valor como empresa era transformar o negócio do cliente em algo cada vez mais online, o que significava transformar os sistemas ligados em sistemas web. Mas, ao longo de tempo, entendemos que para transformar o negócio do cliente em algo online, passava também por marca, branding e marketing, não era só sistema. Até porque quem usa esse sistema precisa ter uma experiência boa para que a mensagem da marca também seja passada e para que haja uma usabilidade. Foi aí que comecei a me especializar mais nessa área de humanas, e decidimos criar uma sinergia entre tecnologia e marketing. Fiz meu curso de publicidade e consegui unir a tecnologia, com publicidade, marketing e criação, de onde saiu o que é a inovação da Focus hoje, o seu grande diferencial. Assim, passamos a ter outro posicionamento dentro do mercado, que começou a nos enxergar como parceiros para o desenvolvimento, por exemplo, de projetos mais complexos para as marcas. Daí começou a surgir projetos como a da Chevrolet e Intel na América Latina.

A minha formação passou de tecnologia, por publicidade e marketing, entre outros cursos de especialização, e aos poucos as coisas começaram a se inverter, passei a dar aulas, administrei alguns cursos de web 2.0 e marketing digital, já fiz minhas contribuições na ESPM, e comecei a palestrar e escrever artigos sobre essa sinergia, o que nos posicionou bem no mercado.

Hoje, a Focus tem quantos funcionários?

No começo de 2009, a Focus tinha, aproximadamente, em José dos Campos, 80 funcionários, e com a equipe exclusiva do Itaú somava 109, 110 funcionários. Mas como 2009 foi um ano ruim para todo mundo por causa da crise, nosso mercado foi abalado e reduzimos nosso quadro. Hoje, estamos com aproximadamente 45 funcionários mais a equipe do Itaú, chegando a 72, 73.

Quais são os serviços prestados pela Focus?

Hoje, a Focus está dentro do mercado de agência digital e prestamos serviços estratégicos de consultoria de marketing digital. Temos também o serviço de criação para campanhas, mídia online e hotsite; o serviço de tecnologia, de construção de projetos web, e uma última camada desse grupo de serviços, que é variável de acordo com o cenário de inovação. Atualmente, estamos desenvolvendo ações de serviços de aplicação móbile para celular e aplicações para redes sociais, como Facebook, Orkut, etc.

Dentro do quadro de serviços, temos esses quatro grupos: estratégico, criativo, tecnológico e plataformas emergentes.

Como as redes sociais mudaram a forma de vocês trabalharem?

Na verdade, para entendermos como a Focus passou a trabalhar em função das redes, temos que entender sobre esse conceito de mudança que a internet trouxe na sociedade. Temos três grandes pilares que foram impactados: o de recursos computacionais, hoje está todo mundo conectado com notebook, wi-fi; o da globalização, hoje a informação vale muito mais do que bens materiais; e o terceiro pilar é o da cultura, já que hoje as pessoas, através das redes sociais, encontraram a sua tribo, então uma pessoa que gosta de rap japonês, em uma cidade como São José dos Campos, deixa de ser única, e online, encontra mais uma porção de pessoas como ela.

Por conta desses recursos computacionais, a sociedade virou imediatista, precisando de resultados e soluções rápidas. Antes, você mandava uma carta que demorava duas semanas para chegar, você ficava feliz quando chegava; hoje você manda um email e fica bravo se não receber logo a resposta. Então, o advento da internet trouxe mudanças profundas no comportamento das pessoas. E a internet, na sua segunda versão, deu ferramentas para que as pessoas pudessem falar. Antes, todo mundo era reprimido em casa, só tinha como assistir a Globo e o SBT, e ver as grandes marcas fazendo propagandas. E as pessoas aceitavam, não tinham muita escolha. Só que, ao mesmo tempo, elas queriam gritar, ter poder de voz, reclamar, e quando a internet deu essa ferramenta, as pessoas foram lá e gritaram, e, em alto e bom som, falaram bem ou mal da marca. Essa mudança na relação entre marca e consumidor foi gerada em função da internet.

Falar de web 2.0 é falar de um termo que não traduz uma nova tecnologia, mas sim mudança. Indo mais fundo ainda, cada um desses consumidores é um porta-voz, falando bem ou mal, e portanto são mídias, por isso que surgiu o termo mídia social. Assim, as mídias sociais só têm realmente relevância quando se unem, já que você sozinho, reprimido em casa e ligando para o SAC da empresa para reclamar, você é um, e na rede social, em uma comunidade, em menos de uma semana você tem 10 mil pessoas como você com o mesmo problema e o mesmo caso. Por isso que um dos sinônimos da web 2.0 é web democrática. Isso tudo tem muito mais a ver com aspectos de redes sociais, mídias sociais, do que com o termo 2.0 em si.

Ao entender esse conceito de mudança da sociedade e como o usuário se comporta hoje em relação às marcas, nós da Focus mudamos todo o nosso projeto e planejamento estratégico para que a gente pudesse fazer projetos que compreendessem melhor esse cenário, conseguindo, assim, obter melhores resultados com os nossos clientes. A partir daí, começou a surgir uma série de demandas para desenvolvermos projetos específicos de relacionamento com os usuários através das redes sociais.

E os clientes antigos aceitaram bem essa nova visão ou demoraram um pouco a aceitar?

Olhando para o portfólio de clientes, temos alguns que sempre apostam em inovação, e outros mais conservadores, que preferem esperar algum resultado para tomar uma decisão.

Em 1995, a Companhia Athletica, um dos nossos grandes clientes, acreditou e apostou na nossa visão de mudança, e desenvolvemos para ela uma rede social privada de relacionamento com os alunos. Na época, eles foram bem inovadores, e isso gerou tanta mídia espontânea que o projeto se pagou. Se eles fossem anunciar nos jornais e revistas que fizeram matérias sobre o tema, ficaria uma fortuna. Eles ficaram contentes por esse lado, e, por outro, a rede deu muito resultado, já que os alunos realmente gostaram da iniciativa. Mas outros clientes demoraram um pouco mais de um ano para começar a investir em alguma coisa relacionada a rede social.

No entanto, agora em 2009 e, provavelmente, em 2010, a grande maioria do mercado vai investir nisso, porque já está realmente mais do que comprovado que esse é o caminho.

Você acha que as empresas perceberam a importância das redes muito tarde?

Eu acho que demorou um pouco sim, até porque esse conceito de mudança está sendo falado desde 2002. Porém, foi em 2004 que o tema web 2.0 surgiu e começou a ser divulgado maciçamente em revistas e jornais, mas até as empresas começarem a perceber que não se tratava de uma tecnologia e sim de uma nova relação com o mercado, demorou.

As principais marcas, como a Coca-Cola, foram atingidas primeiramente e tiveram que reagir obrigatoriamente. Mas é sempre ruim você reagir a um problema, a um cenário de crise, é sempre melhor se antecipar. O que aconteceu com muitas empresas é que elas foram obrigadas a entrar nesse mundo de redes sociais por conta de crises, e não por realmente entender e falar 'vamos lá, vamos investir nisso que é bacana'. Por isso que eu digo que demorou sim, elas podiam ter se antecipado e aberto esse canal de comunicação mais cedo.

Você acredita que as empresas ficaram com medo, já que é imprevisível saber como seria a repercussão delas nas mídias sociais?

Medo sempre rola, e o que eu digo para elas é: independente de você estar lá ou não, os consumidores já estão lá falando da sua marca, bem ou mal. Então é melhor que você esteja participando desse diálogo também, do que simplesmente assistindo, de longe, sem dar a sua posição oficial. Claro que as marcas não podem estar nas redes sem ter um planejamento e uma comunicação alinhada, não podem simplesmente estar por estar, porque pode ser um grande tiro no pé e ser pior do que não estar nas redes. Então tem que estar nas redes sociais, mas com uma consultoria e ajuda de uma agência de relações públicas ou uma agência digital. De início, não adianta tentar abraçar o mundo. Cada canal serve para uma coisa, e não adianta você adotar uma postura de usar todos os canais de forma igual. Tem que saber ao certo o que cada usuário quer escutar de cada canal, o Blog serve para uma coisa, o Twitter para outra e estar no Youtube para outra. Tem que ter um planejamento estratégico.

O que muda para a empresa estar nas redes sociais?

A cultura da empresa muda completamente porque ela tem que estar disponível para monitorar e dialogar com os consumidores praticamente em tempo real. Se um deles falar alguma coisa no Twitter, e a empresa demorar um mês para criar uma resposta, isso já é negativo. A princípio, algumas empresas preferem criar um núcleo digital para mídias sociais, para depois isso se tornar a cultura da empresa como um todo. Isso é até aconselhável para uma empresa muito grande, primeiro criar um núcleo e depois fazer uma governança corporativa para espalhar isso na companhia. Já em uma empresa pequena, dá para criar uma cultura mais ampla. Além disso, é necessário ter um porta-voz, pois por mais que seja um Twitter da empresa, tem que ter um porta-voz para responder por esse Twitter.

Tem como controlar tudo que é dito no mundo virtual? Como as empresas podem fazer isso?

A questão talvez nem seja fazer o controle, porque isso vai ser impossível já que, atualmente, o poder está nas mãos dos consumidores e não mais das marcas. É um caminho sem volta. O que tem que ser feito é saber medir bem aquilo que você vai falar e participar. Porque por mais que aconteça de alguém fazer um comentário negativo no Twitter, até então ele é só uma pessoa ali. Deve-se esperar para ver se aquilo terá uma repercussão maior, para que a empresa realmente crie uma resposta oficial. Não tem que sair dando satisfação para todos os usuários. É importante fazer um trabalho de relação pública e esperar que aquilo seja realmente um problema, entender o problema, e dialogar. Assim, se o usuário fizer um comentário negativo no Twitter, espere aquilo repercutir um pouco mais e, se ele tiver realmente razão, entre em contato diretamente com ele, e se aquilo repercutir amplamente, aí sim crie uma resposta dentro do próprio canal, e não pela revista ou pelo jornal.

Tente realmente medir e mediar; medir aquilo que é realmente necessário fazer e responder, e mediar as situações.

Você acredita que as redes sociais já servem como um tipo de SAC ou essa não é a sua função?

Hoje existem três grandes vertentes de redes sociais: as primárias, que são redes sociais onde existem pessoas com objetivos em comum, mas que são muito próximas a você, como parentes e vizinhos; a secundária que são pessoas que provavelmente estão dentro de uma instituição a qual você pertence, então, por exemplo, se sou funcionário de uma empresa com 10 mil funcionários e que tem uma rede social, essa é uma rede secundária, já que não conheço as 10 mil pessoas. Existe, também, a rede social intermediária, que é onde eu tenho pessoas com afinidades e objetivos em comum, mas que não se conhecem e não estão embaixo de uma instituição. Então se pegarmos o Twitter, por exemplo, ele é uma rede social intermediária, assim como o Reclame Aqui, já que eu não conheço a pessoa que está do outro lado, mas ela tem uma proposta igual a minha e está reclamando sobre a mesma empresa e produto.

Temos hoje esses três tipos de redes sociais, e basicamente temos que entender quais são eles e saber usá-los. Se você pegar uma rede social primária, que é muito mais próxima, como o Orkut e o Facebook, não tente criar um SAC ali, pois você estará interferindo na vida pessoal do usuário. É interessante você ter um blog de relações públicas que dê respostas oficiais, e que é uma rede social secundária, ou das as suas respostas através dessas redes intermediárias, como o Reclame Aqui.

Então, podemos considerar um SAC? Podemos sim. A Telefônica criou isso, através do Twitter, ela fez um mecanismo de atendimento ao cliente, porque a sua situação estava bem crítica, assim qualquer pessoa que tivesse algum problema com a empresa, 'tuitava' e a Telefônica entrava em contato e resolvia. Levando-se em conta que o Twitter é uma rede social intermediária, dá para fazer dele um SAC, porque não interfere tanto nas relações pessoais. No entanto, existem outras redes sociais, que inclusive, é um dos trabalhos que a Focus está fazendo agora, que são redes sociais corporativas, usadas pelos consumidores para eles serem atendidos e até sugerirem coisas novas para a marca.

Você acredita que chegará um dia que todas as empresas precisarão fazer parte por completo do mundo virtual?

Na verdade já chegou. O grande lance é que algumas não estão lá por questão de investimento, por não ter um planejamento, mas já está dentro dos seus planos fazer parte das redes sociais. Inclusive, as microempresas que poderiam ser as últimas a entrar, já estão utilizando as redes para vender e divulgar os seus produtos e serviços.

As redes sociais são, hoje, o grande canal, e em um futuro próximo irão substituir até os emails. Se todas as previsões se concretizarem, não tem jeito: todo mundo vai ter que participar, para monitorar, atender o cliente e fazer com que os clientes participem da criação de valor de sua empresa, produto e serviço, e para que as empresas possam vender os seus produtos e serviços através das redes.

As empresas vão depender desse bom relacionamento através das redes, porque os consumidores falam para os outros se o produto é bom ou ruim e isso vai determinar muito o futuro dos negócios.

Qual previsão você faria em relação a redes sociais e mídias sociais no mundo empresarial?

Vamos considerar 2008/2009 como o ano em que as marcas utilizaram as redes sociais para branding, ou seja, algo mais marqueteiro. Já agora, 2010/2011, será o ano das redes sociais corporativas. As empresas vão começar a entender melhor o potencial de utilização das redes sociais para realmente ter um objetivo de negócio e fazer isso gerar resultados. E quando falamos de redes sociais, temos que entender o efeito delas. Não podemos simplesmente pensar naquela carinha do Orkut. O site do Reclame Aqui, por exemplo, é uma rede social, porque tem o conceito de rede intrínseco em seu DNA.

Então é isso que vai valer para os próximos projetos de TI e projetos corporativos. Vão existir microblogs corporativos, ou seja, um Twitter dentro das empresas para as pessoas poderem compartilhar sugestões sobre um projeto.

Realmente essa é parte mais importante, esquecer o lado marqueteiro e fazer isso começar a gerar resultados reais e efetivos; largar um pouco do oba oba que foi e entrar realmente em toda a produtividade que as redes sociais podem dar para a empresa e para o negócio.


Por: Rafael Kiso
Fonte: Carreira & Sucesso - Catho On Line
Publicado: 19-fev-10



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