31 de mar. de 2010

Até o início da década de 60, praticamente nenhuma empresa industrial, no Brasil, tinha um departamento de marketing. Quase todas tinham um departamento de vendas e um de propaganda. Propaganda cuidava de incrementar a demanda; e vendas, de concretizar negócios (tirar pedidos). Nos fabricantes de produtos de consumo, a propaganda cuidava de incrementar a demanda seletiva pela marca; e vendas, de distribuir os produtos ao longo da rede de revenda (atacadista e varejista), garantindo a presença dos produtos nos pontos-de-venda

A partir de então, muitas dessas empresas agregaram à sua estrutura um departamento de promoção de vendas, encarregado de providenciar, nos pontos-de-venda, um impulso final para a saída dos produtos ali colocados pelo departamento de vendas. Só um pouco mais tarde é que começaram a surgir os departamentos de marketing. Em algumas empresas. ele absorveu o departamento de vendas. Em praticamente todas elas, ele absorveu o departamento de propaganda.

Na maior parte das empresas, ele se institucionalizou como um aglomerado à parte, separado do departamento de vendas, assumindo responsabilidades sobre pesquisas de mercado, desenvolvimento de produtos, propaganda e outras necessárias a reforçar a conquista e a fidelização de consumidores para a marca. No panorama consolidado ao longo das décadas seguintes, a área de vendas manteve o privilégio de ser vista como a geradora de receitas, permanecendo todas as demais como centros de custo. Qualquer empresa que sentisse a necessidade de “enxugar” custos atacaria, em primeiro lugar, a propaganda, a promoção e outras funções de marketing, reforçando seus esforços na área de vendas.

Nas últimas décadas do século 20, o poder de barganha nas relações entre a indústria e o comércio havia derivado para as mãos do comércio, representado pelos grandes conglomerados varejistas e poderosos atacadistas. Os departamentos de vendas sentiam cada vez maiores dificuldades para colocar seus produtos, na escala desejada, junto aos pontos-de-venda. As empresas tiveram de intensificar seus esforços na área de apoio ao giro dos produtos nas lojas, criando equipes de promoção mais numerosas do que suas próprias equipes de vendas.

Muitas passaram a usar a expressão trade marketing para identificar as ações realizadas nos pontos-de-venda, anteriormente conhecidas como promoção, merchandising, marketing promocional, in-store marketing ou outras terminologias. No entanto, cada vez mais se reconhece que as ações nos pontos-de-venda são sempre orientadas para o consumidor final. Elas fazem parte do propósito de conquistar, manter e desenvolver consumidores fiéis, funções e responsabilidades da área do marketing de consumo (consumer marketing).

O verdadeiro trade marketing tem como sua função e responsabilidade o processo de conquistar, fidelizar e promover o aumento da eficiência dos canais de vendas. A quem deve caber essa responsabilidade na indústria? No texto assinado por José Luiz Meinberg, publicado no portal da FGV, o trade marketing é identificado como “uma nova área de competência na gestão mercadológica. Não é só uma decisão de comunicação no ponto-de-venda para uma ação promocional porque abrange decisões financeiras relativas ao preço de venda e de revenda, decisões sobre a logística de entrada no varejo e dentro do varejo, decisões sobre agrupamentos de produtos, embalagens etc. Obriga a um conhecimento mais amplo da relação de cada consumidor com cada loja de varejo, a que estímulos eles são mais sensíveis, bem como em transformar essa relação e estímulo em negócios para o fabricante”. Não é uma competência da área do marketing da empresa porque este tradicionalmente esteve focado no consumidor, o consumer marketing, e não tem a experiência e vivência do marketing através do varejo em toda sua amplitude. Não é uma área de competência de vendas porque vendas, por tudo que possamos ter incluído de capacitação e preocupação em sua gestão, ainda não adquiriu através de sua equipe de vendedores a direção prática da estratégia mercadológica para a tomada de decisão de um processo de vendas. Mesmo que não queiramos, a gestão de vendas ainda está focada no fechamento do mês. Aí ela é mais tática do que estratégica. E a atuação de seus profissionais é um reflexo dessa situação”.

Assim, na conclusão desse texto, o trade marketing é identificado como mais um departamento na empresa: “não sendo uma área de competência de marketing ou de vendas, foi necessário desenvolver uma nova área da gestão da empresa. Uma área focada no desafio de fazer passar o produto pelo intermediário, principalmente o varejo”.

Algumas empresas estão fazendo isso. Às vezes, contratando um único profissional para atuar como coordenador de trade marketing; às vezes, iniciando a montagem de uma estrutura que nunca terá as mesmas dimensões – e capacidade de interagir com o trade – encontradas no departamento de vendas; nem o poder que este tem de orientar as decisões da empresa.

A conseqüência mais óbvia é que, se o departamento de vendas, que interage com todas as lojas todo o tempo, ao longo de anos e anos, não pode ser responsabilizado para o objetivo de “conquistar, fidelizar e promover o aumento da eficiência dos canais de vendas”, a nova área de trade marketing, sem estrutura, sem recursos e sem poder, entrará facilmente em conflito com um departamento de vendas que não assuma a responsabilidade-chave do trade marketing, e fracassará totalmente em seus propósitos.

Então, o caminho seguro e certo para a implantação de um trade marketing que funcione é reciclar a orientação e o treinamento de toda a área de vendas, deixando claro uma coisa que já deveria estar clara há muito tempo: que os gerentes de vendas, gerentes de contas, supervisores e vendedores precisam estar envolvidos, em profundidade, no propósito estratégico de “conquistar, fidelizar e promover o aumento da eficiência dos canais de vendas”, não podendo mais admitir que sua única responsabilidade seja a colocação dos produtos nas lojas e o fechamento das “quotas” mensais.

O processo de reciclagem das responsabilidades, os objetivos e a cultura da área de vendas precisam ter por objetivo-chave transformar cada vendedor em um verdadeiro profissional de trade marketing.

Esse, além de ser o caminho mais correto, é o mais curto, o mais econômico e o potencialmente mais eficaz, porque os vendedores já têm muito mais conhecimento e informação sobre as realidades do trade que qualquer outro profissional, na empresa ou fora dela e, acima de tudo, porque eles próprios já estão se dando conta, todos os dias, que as operações de compra e venda entre a indústria e o comércio revendedor estão sendo realizadas, cada vez mais, de computador para computador e que, logo, logo, os profissionais portando um mostruário, uma lista de preços e um talão de pedidos (ou mesmo um notebook de última geração) serão uma coisa do passado.

Eles estão se dando conta que, dentro do novo panorama em rápida configuração, sua função de mestre será orientar, apoiar e estimular, sem solução de continuidade, os revendedores que atendem, para a melhoria da posição e para o incremento do giro de seus produtos em cada loja


Por: Roberto Lira Miranda - é consultor empresarial e autor do livro Você vende para as lojas ou através das lojas?
Fonte: www.portaldapropaganda.com
Publicado: 11-mai-07

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