O impacto crescente do mundo digital no varejo vem ganhando
espaço nas discussões estratégicas das empresas, levando ao questionamento
frequente do papel que as lojas físicas terão no futuro, sobretudo em categorias
em que o comércio eletrônico vem crescendo mais rapidamente, como livros,
eletroeletrônicos e vestuário.
O assunto é complexo e merece ser
analisado sob diversos prismas. De forma geral, é muito difícil imaginar que as
lojas não continuarão a desempenhar um papel fundamental no consumo. É provável
que a penetração dos canais digitais cresça e que em algumas categorias possa
ser até mesmo dominante. De outro lado, as lojas se reinventarão, buscando
constantemente o elemento que garantirá sua sobrevivência e crescimento com
rentabilidade: a relevância. Ou seja, é preciso que haja clara definição de
posicionamento e proposta de valor da marca, papéis dos canais e forma de
entregar valor consistentemente ao longo do tempo, para criar e realimentar os
vínculos de confiança que mantêm os consumidores próximos às marcas.
Para vislumbrar o papel e a
transformação dos pontos de venda físicos no futuro é preciso segmentar a
análise por setor, categoria de produtos, segmento de atuação da empresa e
posicionamento. Os atributos que manterão a loja relevante são distintos e a
experiência de compra decorrente, também.
Em operações de moda, as lojas
cumprem um papel fundamental de construir imagens a partir de estilos de vida,
valorização de produtos e histórias criadas com eles. Marcas como Abercrombie
& Fitch, Uniqlo, H&M, Zara, Osklen e Le Lis Blanc não teriam alcançado
o valor aspiracional que carregam sem as lojas e não poderão prescindir delas
no futuro. Já em produtos eletrônicos e digitais a loja possibilita
experimentação, descoberta e interação. A Apple Store foi um pilar fundamental
para que a marca alcançasse o sucesso dos últimos anos.
As lojas permitem interação com
produtos e pessoas e isso não vai perder atratividade, desde que se interpretem
as transformações e se incorporem os recursos que o mundo digital permite
desenvolver de forma integrada para operações multicanal. As lojass podem gerar
valor e relevância a partir de distintos atributos.
Atributos emocionais - a
capacidade de valorizar produtos que estimulem compras por impulso e cross
merchandising; a construção de imagens atreladas a estilos de vida e
personalidade; a possibilidade de transformar a experiência de compra em algo
envolvente e prazeroso e a tangibilização de inovações em produtos e conceitos.
A valorização de produtos é um
elemento fundamental de atração das lojas. Saber selecionar, coordenar, expor,
comunicar e embalar produtos modifica sensivelmente a percepção de valor. Algo
que não é necessariamente restrito a produtos de moda ou sofisticados. Redes de
supermercados descobrem a resposta que mudanças na exposição de perecíveis e
comida pronta geram nas vendas. Marcas de amplo alcance, como Zara, H&M e
Uniqlo, transformam o valor dos produtos pelo seu tratamento no ponto de venda.
No Brasil, C&A, Renner, Riachuelo e Marisa conseguem levar crescentemente
atualidade, informação de moda e experiência de compras para um espectro
abrangente de consumidores.
Atributos racionais - já no plano
racional, lojas se distinguem por amplitude e edição de sortimento;
conveniência e praticidade; e por preços percebidos como mais competitivos que
propostas de valor equivalentes. O fenômeno dos supermercados de descontos na
Europa (como Aldi, Lidl e Netto) ou dos “atacarejos” brasileiros (Atacadão,
Assai) mostram a força que propostas racionais claras podem ter. A oferta de
produtos da Media Markt em eletroeletrônicos na Europa permite amplas
comparações em todas as categorias.
Atributos híbridos – há ainda
atributos que mesclam razão e emoção, como agregação de serviços, soluções,
experimentação e interação com pessoas. A Apple reinventou a experiência de
compra de produtos eletrônicos e digitais e foi seguida por diversos operadores
especializados. Nas lojas Apple, Best Buy, Currys ou Fast Shop é possível
comparar, degustar, instalar e obter suporte para produtos que são commodities.
Os serviços diferenciam a entrega da loja.
As oportunidades para
desenvolvimento e expansão de lojas permitem segmentar e diversificar formatos
para ocupar mais espaço. A britânica Tesco opera sob uma mesma bandeira
hipermercados, supermercados, lojas de vizinhança, lojas de conveniência,
catálogo e ecommerce. O grupo Inditex possui amplo portfólio de formatos de
moda (Zara, Massimo, Dutti, Bershka, Oysho, Kiddy’s Class, Pull and Bear,
Stradivarius), além da Zara Home.
Esse movimento que vem se
intensificando entre grandes grupos no Brasil é o de segmentar e diversificar
formatos. O Grupo Pão de Açúcar já opera uma diversificada plataforma de
formatos e bandeiras, que incluem supermercados com posicionamentos distintos
(Pão de Açúcar e Extra Supermercado), hipermercados, lojas especializadas em
eletroeletrônicos e móveis (Casas Bahia, Ponto Frio), lojas de conveniência
(Minimercado Extra), postos de combustíveis, farmácias, além de canais de
vendas digitais em ecommerce e mcommerce. Neste ano, a Renner adquiriu a rede
especializada em presentes e produtos para casa Camicado, implantou formato
compacto e pilotos de loja monomarca Blue Steel. Já a Marisa implantou lojas
especializadas em lingerie.
O mercado brasileiro ainda tem
espaço e oportunidades para desenvolvimento e expansão de redes de lojas.
Empresas como Grupo Pão de Açúcar, Magazine Luiza, Máquina de Vendas, C&A,
Renner, Riachuelo, Marisa, Drogasil, Pague Menos, Hering e Cacau Show expandiram
suas redes em velocidade superior ao crescimento do mercado, ampliando
participação e capilaridade.
As compras acontecem por diversas
motivações: necessidade, conveniência, impulso, desejo, oportunidade ou prazer.
As lojas devem saber quais delas atender e com que atributos estimular
escolhas. Os pontos de venda físicos devem incorporar o mundo digital e
integrar o melhor de cada experiência para aproximar o cliente da marca.
Pesquisa realizada pela GS&MD
– Gouvêa de Souza com consumidores em lojas de diversos segmentos mostra
oportunidades e desafios para repensar a loja e manter o negócio relevante.
Conveniência e rotina são poderosos geradores de tráfego e conversão para as
lojas, particularmente para categorias e formatos voltados a compras repetitivas
e programadas. Esse é o caso de supermercados e farmácias, em que 82% e 85% dos
consumidores, respectivamente, vão à loja por proximidade de casa / trabalho ou
por estarem passando em frente ao ponto de venda. A conversão é elevada – 92%
para supermercados e 64% em farmácias – e a loja é vista como destino primário
pela possibilidade de interagir com produtos e ter apoio e envolvimento de
pessoas.
As oportunidades, nesses casos,
estão em tornar a compra menos mecânica, racional e motivada por necessidade e
obrigação; e, em vez disso, reforçar valorização de produtos, inclusão de
serviços e criatividade em integração e desenvolvimento de novos formatos. Na
Europa, por exemplo, vêm multiplicando-se modelos de drive-thru, como Real,
Auchan, Carrefour e Continente. São lojas para retirada, com horário
programado, de compras feitas via internet. É uma solução prática e simples
para unir os mundos físico e digital e poupar tempo e esforço. Já a Eataly vem
reinventando a experiência de comprar, vivenciar, aculturar-se e degustar
alimentos em ambientes envolventes, estimulantes e emocionais.
Em eletroeletrônicos e digitais
há motivações ligadas à experimentação de produtos e negociação de preços. A
taxa de conversão é a mais baixa: 15%. As lojas precisam cada vez mais reforçar
o contato físico com o produto, a orientação e edição da oferta e a agregação
de serviços que permitam configurar soluções para os clientes. É o movimento
que realizam Apple, Best Buy e Fast Shop.
Em produtos de moda há muita
descoberta, exploração de produtos e abertura para impulso. A conversão média é
baixa (24%) e o grande desafio é capturar os shoppers pelo impacto e
valorização de produtos, merchandising e experiência no ponto de venda.
As lojas continuarão a
desempenhar um papel determinante para o varejo. A integração com os canais
digitais torna-se imperativa e deve valorizar e fortalecer o ponto de venda
físico. A busca da relevância pressupõe um profundo entendimento dos
consumidores, de suas relações com as categorias e dos motivadores de compra.
Por: Alberto Serrentino (aserrentino@gsmd.com.br), sócio-sênior da
GS&MD – Gouvêa de Souza
Fonte: GS&MD
Publicado: 23-dez-11