23 de dez. de 2011

A relevância do PDV no varejo cross channel


O impacto crescente do mundo digital no varejo vem ganhando espaço nas discussões estratégicas das empresas, levando ao questionamento frequente do papel que as lojas físicas terão no futuro, sobretudo em categorias em que o comércio eletrônico vem crescendo mais rapidamente, como livros, eletroeletrônicos e vestuário.
O assunto é complexo e merece ser analisado sob diversos prismas. De forma geral, é muito difícil imaginar que as lojas não continuarão a desempenhar um papel fundamental no consumo. É provável que a penetração dos canais digitais cresça e que em algumas categorias possa ser até mesmo dominante. De outro lado, as lojas se reinventarão, buscando constantemente o elemento que garantirá sua sobrevivência e crescimento com rentabilidade: a relevância. Ou seja, é preciso que haja clara definição de posicionamento e proposta de valor da marca, papéis dos canais e forma de entregar valor consistentemente ao longo do tempo, para criar e realimentar os vínculos de confiança que mantêm os consumidores próximos às marcas.
Para vislumbrar o papel e a transformação dos pontos de venda físicos no futuro é preciso segmentar a análise por setor, categoria de produtos, segmento de atuação da empresa e posicionamento. Os atributos que manterão a loja relevante são distintos e a experiência de compra decorrente, também.
Em operações de moda, as lojas cumprem um papel fundamental de construir imagens a partir de estilos de vida, valorização de produtos e histórias criadas com eles. Marcas como Abercrombie & Fitch, Uniqlo, H&M, Zara, Osklen e Le Lis Blanc não teriam alcançado o valor aspiracional que carregam sem as lojas e não poderão prescindir delas no futuro. Já em produtos eletrônicos e digitais a loja possibilita experimentação, descoberta e interação. A Apple Store foi um pilar fundamental para que a marca alcançasse o sucesso dos últimos anos.
As lojas permitem interação com produtos e pessoas e isso não vai perder atratividade, desde que se interpretem as transformações e se incorporem os recursos que o mundo digital permite desenvolver de forma integrada para operações multicanal. As lojass podem gerar valor e relevância a partir de distintos atributos.

Atributos emocionais - a capacidade de valorizar produtos que estimulem compras por impulso e cross merchandising; a construção de imagens atreladas a estilos de vida e personalidade; a possibilidade de transformar a experiência de compra em algo envolvente e prazeroso e a tangibilização de inovações em produtos e conceitos.
A valorização de produtos é um elemento fundamental de atração das lojas. Saber selecionar, coordenar, expor, comunicar e embalar produtos modifica sensivelmente a percepção de valor. Algo que não é necessariamente restrito a produtos de moda ou sofisticados. Redes de supermercados descobrem a resposta que mudanças na exposição de perecíveis e comida pronta geram nas vendas. Marcas de amplo alcance, como Zara, H&M e Uniqlo, transformam o valor dos produtos pelo seu tratamento no ponto de venda. No Brasil, C&A, Renner, Riachuelo e Marisa conseguem levar crescentemente atualidade, informação de moda e experiência de compras para um espectro abrangente de consumidores.

Atributos racionais - já no plano racional, lojas se distinguem por amplitude e edição de sortimento; conveniência e praticidade; e por preços percebidos como mais competitivos que propostas de valor equivalentes. O fenômeno dos supermercados de descontos na Europa (como Aldi, Lidl e Netto) ou dos “atacarejos” brasileiros (Atacadão, Assai) mostram a força que propostas racionais claras podem ter. A oferta de produtos da Media Markt em eletroeletrônicos na Europa permite amplas comparações em todas as categorias.

Atributos híbridos – há ainda atributos que mesclam razão e emoção, como agregação de serviços, soluções, experimentação e interação com pessoas. A Apple reinventou a experiência de compra de produtos eletrônicos e digitais e foi seguida por diversos operadores especializados. Nas lojas Apple, Best Buy, Currys ou Fast Shop é possível comparar, degustar, instalar e obter suporte para produtos que são commodities. Os serviços diferenciam a entrega da loja.

As oportunidades para desenvolvimento e expansão de lojas permitem segmentar e diversificar formatos para ocupar mais espaço. A britânica Tesco opera sob uma mesma bandeira hipermercados, supermercados, lojas de vizinhança, lojas de conveniência, catálogo e ecommerce. O grupo Inditex possui amplo portfólio de formatos de moda (Zara, Massimo, Dutti, Bershka, Oysho, Kiddy’s Class, Pull and Bear, Stradivarius), além da Zara Home.
Esse movimento que vem se intensificando entre grandes grupos no Brasil é o de segmentar e diversificar formatos. O Grupo Pão de Açúcar já opera uma diversificada plataforma de formatos e bandeiras, que incluem supermercados com posicionamentos distintos (Pão de Açúcar e Extra Supermercado), hipermercados, lojas especializadas em eletroeletrônicos e móveis (Casas Bahia, Ponto Frio), lojas de conveniência (Minimercado Extra), postos de combustíveis, farmácias, além de canais de vendas digitais em ecommerce e mcommerce. Neste ano, a Renner adquiriu a rede especializada em presentes e produtos para casa Camicado, implantou formato compacto e pilotos de loja monomarca Blue Steel. Já a Marisa implantou lojas especializadas em lingerie.
O mercado brasileiro ainda tem espaço e oportunidades para desenvolvimento e expansão de redes de lojas. Empresas como Grupo Pão de Açúcar, Magazine Luiza, Máquina de Vendas, C&A, Renner, Riachuelo, Marisa, Drogasil, Pague Menos, Hering e Cacau Show expandiram suas redes em velocidade superior ao crescimento do mercado, ampliando participação e capilaridade.
As compras acontecem por diversas motivações: necessidade, conveniência, impulso, desejo, oportunidade ou prazer. As lojas devem saber quais delas atender e com que atributos estimular escolhas. Os pontos de venda físicos devem incorporar o mundo digital e integrar o melhor de cada experiência para aproximar o cliente da marca.
Pesquisa realizada pela GS&MD – Gouvêa de Souza com consumidores em lojas de diversos segmentos mostra oportunidades e desafios para repensar a loja e manter o negócio relevante. Conveniência e rotina são poderosos geradores de tráfego e conversão para as lojas, particularmente para categorias e formatos voltados a compras repetitivas e programadas. Esse é o caso de supermercados e farmácias, em que 82% e 85% dos consumidores, respectivamente, vão à loja por proximidade de casa / trabalho ou por estarem passando em frente ao ponto de venda. A conversão é elevada – 92% para supermercados e 64% em farmácias – e a loja é vista como destino primário pela possibilidade de interagir com produtos e ter apoio e envolvimento de pessoas.
As oportunidades, nesses casos, estão em tornar a compra menos mecânica, racional e motivada por necessidade e obrigação; e, em vez disso, reforçar valorização de produtos, inclusão de serviços e criatividade em integração e desenvolvimento de novos formatos. Na Europa, por exemplo, vêm multiplicando-se modelos de drive-thru, como Real, Auchan, Carrefour e Continente. São lojas para retirada, com horário programado, de compras feitas via internet. É uma solução prática e simples para unir os mundos físico e digital e poupar tempo e esforço. Já a Eataly vem reinventando a experiência de comprar, vivenciar, aculturar-se e degustar alimentos em ambientes envolventes, estimulantes e emocionais.
Em eletroeletrônicos e digitais há motivações ligadas à experimentação de produtos e negociação de preços. A taxa de conversão é a mais baixa: 15%. As lojas precisam cada vez mais reforçar o contato físico com o produto, a orientação e edição da oferta e a agregação de serviços que permitam configurar soluções para os clientes. É o movimento que realizam Apple, Best Buy e Fast Shop.
Em produtos de moda há muita descoberta, exploração de produtos e abertura para impulso. A conversão média é baixa (24%) e o grande desafio é capturar os shoppers pelo impacto e valorização de produtos, merchandising e experiência no ponto de venda.
As lojas continuarão a desempenhar um papel determinante para o varejo. A integração com os canais digitais torna-se imperativa e deve valorizar e fortalecer o ponto de venda físico. A busca da relevância pressupõe um profundo entendimento dos consumidores, de suas relações com as categorias e dos motivadores de compra.


Por: Alberto Serrentino (aserrentino@gsmd.com.br), sócio-sênior da GS&MD – Gouvêa de Souza
Fonte: GS&MD
Publicado: 23-dez-11

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